– Por Carlos Moreira
Roland Barthes afirma que a expressão “ideologia dominante” é, na verdade, um pleonasmo, porque a ideologia nada mais é do que a idéia enquanto ela domina. E propõe, como substituto do conceito, “ideologia arrogante”, ou seja, aquela que, além de dominar, dá a si mesma o poder de dogma, e anula qualquer chance de contestação. É essa arrogância, mãe e fruto da burrice, que está sendo usada contra o artigo de José do Nazareno, “Em Rondônia é assim mesmo...”, publicado em seu blog. Não apenas contra o artigo, mas (o que é mais grave, porque cheira a fascismo) contra o próprio autor do texto.
Algumas questões devem ser levantadas: 1) por que um texto “me ofende”? Porque me identifico com o que ele ataca? Porque a “carapuça serviu”, o espelho revelou a verdade e o reflexo monstruoso sou eu? 2) O que fazer ao discordar de uma opinião? Negar-lhe o direito de ser opinião ou responder a ela no seu contexto de arena? Porque não responder à crítica com uma crítica, a um texto com outro texto, e não com uma perseguição de colméia (poderia dizer alcatéia, manada, cardume, máquina tribal) que propõe apenas o silenciamento? 3) Por que não entender a função de um texto opinativo como algo que exaspera, que irrita a pele do tédio e chama pra briga? Por que negar a um intelectual sua posição de contracorrente, de contra-pêlo, nem que seja “só pra exercitar?” Não lemos nada, não ouvimos nada, desde Lima Barreto (“Eu escrevo como quem morde”) até Caetano (“caminhando contra o vento / sem lenço sem documento”)? E o número de questões poderia continuar em infinita teia.
Eu teria, de minha parte, apenas uma contestação a fazer ao texto em questão: ele deve ir mais fundo, e abarcar o que alguns ainda chamam de “brasil”, senão de “mundo ocidental”. Nazareno acertou mais longe do que imagina. A moral torta e falsa desse talibã em que vivemos impede não apenas nosso olhar, mas nossa voz. Esse fundamentalismo de terceira que parece querer engolfar a chance de um mundo livre é o mesmo que retira livros do Vestibular da Federal de Rondônia, proíbe Darwin em escolas de São Paulo e ensina como adolescentes devem censurar aqueles que deveriam lhes servir de modelo de coragem intelectual e visão crítica.
Conquistamos a muito custo e há pouco tempo a liberdade de expressão nesta periferia do capitalismo. Reações fascistas e retrógradas como essa acenam com uma realidade de perseguição e obscurantismo medieval, e funcionam como prova de choque para os que ainda ousam pensar. Não é com ameaças ou mugidos que se combate uma idéia. É com outra idéia. Não é à base de processos e fogueiras que se estabelece um diálogo: é com a outra voz, o outro lado, o outro texto. Quem não se identificou com o cenário patético do artigo, parabéns.
Quem viu ali seu retrato falado e escrito, que rebata com artigos, criem blogs, provem o contrário, mas garantam ao outro a sua voz, a sua liberdade de golpe, o seu espaço no ringue. Não se movam como bando, covardemente empoleirados na moral e na hipocrisia. O horror deve ser enfrentado na realidade do presente, na carnadura do real. Até quando vão fazer plásticas no cadáver, maquiagem no monstro?
Sei, porque Nelson Rodrigues me ensinou, que a burrice é imortal. Mas talvez ela não seja invencível. Quem sabe possamos, com o martelo da ironia e as facas da inteligência, pelo menos arranhar sua arrogância. Sua estúpida, coletiva e tapada arrogância.
CONTATO: caixadesilencio@gmail.com
Fonte: rondonioaovivo.com
quinta-feira, 2 de abril de 2009
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